brands for future #2 - Entrevista com Estevan Sartoreli, da Dengo - um negócio que já nasce com propósito (verdadeiro)
e mais: a polêmica do propósito, CMOs Report, Brasil Corre, carnes sustentáveis e um respiro
Que bom te ver por aqui :)
Como funciona a brands for future?
Toda edição vai ter uma entrevista, insights e algumas referências úteis relacionadas ao universo do marketing, branding e sustentabilidade. E, uhfa, um respiro no final pra reconectar.
Escrevo essa edição saboreando um pedaço de chocolate Dengo. Com tanta transparência da marca, consigo imaginar todo o processo cuidadoso pra esse chocolate chegar até mim.
A entrevista de hoje é com Estevan Sartoreli, CEO da Dengo.
Uma conversa que posso dizer que veio na hora certa, pós uma semana polêmica de discussões sobre propósito e sua real necessidade de existir.
A Dengo é dessas marcas com propriedade pra falar de Propósito, assim com P maiúsculo.
Não tem forçação de barra: tem muita lucidez, criatividade e um negócio que faz acontecer pensando em impacto e em resultado.
Aproveita a leitura 🙂
O que você vai ver por aqui hoje:
Entrevista com Estevan Sartoreli, CEO da Dengo
A polêmica do propósito
Global CMO Report 2023 da Dentsu Creative
O Brasil Corre - o relatório do Brasil periférico da Consumoteca
As 4 ondas do branding
Sustentabilidade - A nova carne futurística é um fungo
Respiro - TEDx Amazônia
Vagas abertas consultoria gratuita
Se você perdeu:
A Edição de estreia com a Entrevista com David Aaker :)
1- Entrevista com Estevan Sartoreli, CEO da Dengo
Estevan Sartoreli é cofundador e co-CEO da DENGO CHOCOLATES. Formado em Engenharia de Produção. É apaixonado por cacau, café, chocolates, negócios de impacto e gente.
A que você atribui o sucesso da Dengo? Qual a estratégia para o crescimento de vocês?
Estevan: Somos um negócio de impacto, mas como qualquer alimento, tem que ser antes de tudo saboroso de verdade. Gostinho que equilibra prazer com propósito, sabor com saúde.
A Dengo possui uma proposta de valor antenada com os anseios do consumidor moderno, que procura chocolates sem gordura hidrogenada, sem conservantes, que procura chocolates de verdade, com formulação mais clean label possível.
Acreditamos que chocolate de verdade pode e deve ser saudável, e além disso, que procure valorizar os produtores, inspirar consumidores e conservar a natureza. Estes elementos fazem com que a marca tenha a aceitação crescente.
O que veio primeiro: o propósito ou o produto?
Estevan: O que veio primeiro foi o propósito: promover renda digna pra pequenos e médios produtores de cacau no Brasil.
O mundo não precisa de mais marcas de chocolate, e sim, de negócios comprometidos com a transição socioambiental.
Embora nasçamos de um propósito, nada se sustenta se não for por meio de nossos produtos - eles são o vetor pra causar as transformações que desejamos. Existe uma relação de interdependência com o produto que não é pequena. Comprando um Dengo, promovemos o aumento da qualidade de vida dos produtores de cacau.
O Airbnb já declarou que iria fazendo menos mídia de performance e mais construção de marca. Como é esse equilíbrio entre branding e performance? O que dá mais certo com vocês?
Estevan: Acredito que uma marca cresce quando endereça um desejo ou uma necessidade de seus consumidores.
A gente se esquece às vezes, que antes de colocar investimento de comunicação, precisamos ter clareza de nossa proposta de valor, nosso conceito. Precisamos questionar se o que a gente quer oferecer pro mundo é o que o mundo deseja.
Quando a proposta de valor não é bem desenhada, paga-se um custo maior pra adquirir clientes e não se tem uma performance de mídia otimizada.
É fundamental antes de estratégia de marketing ter estratégia de marca. O que nos identifica? O que nos diferencia? O que justifica a escolha do consumidor? Essas perguntas são precedentes a qualquer estratégia de comunicação.
Quando o que nos diferencia for identificado, aí, sem dúvida, vale desenharmos uma boa estratégia de comunicação: o que vamos comunicar, onde, como e quando.
Esse desenho, pautado no marketing digital, precisa ser feito com equilíbrio, ponderação.
Algumas marcas falam demais com seus consumidores, isso gera um efeito mais de aversão e recusa do que conversão do consumidor.
Comunicar bem não é comunicar mais necessariamente. É comunicar sob medida, na hora que o consumidor espera, está aberto para escutar.
Hoje tem marcas que querem falar conosco numa abordagem que é mais íntima que nossos amigos fazem: e-mail marketing diários, ativação extensiva em WhatsApp, entre outros. Além de gastos ampliados, acabam gerando incômodos ao consumidor.
Penso que viveremos a era da resignação, do silêncio. As pessoas estão cansadas do excesso de estímulos e informação.
Tem um dilema hoje: marcas precisam crescer, estimular o consumo, já que economia depende disso, mas o mundo precisa de menos impacto. Como marcas podem resolver esse dilema?
Estevan: Existe um mal entendimento entre consumo e consumismo.
Consumo é um ato vital pra existência humana. Consumismo é outra coisa, é um consumo exacerbado, que distorce a compreensão entre necessidades e desejos.
Não podemos vilanizar o consumo. Precisamos, antes de tudo, pensar: como começar a consumir melhor? Em um consumo mais consciente - consumirmos coisas necessárias.
Focamos no conteúdo e não na embalagem. Com mínimo impacto ambiental.
Este é um paralelo válido pra qualquer outra categoria.
Além de consumir melhor, temos que aceitar que ocasionalmente precisaremos consumir menos.
No caso do chocolate, o consumidor deve consumir uma porção recomendada por dia - nem muito, nem pouco. A gente quer ser feliz!
Na Dengo, 40 gramas de chocolate por dia é o recomendado. Não faz mal, muito pelo contrário. O cacau de qualidade é um super alimento. Está associado à redução da pressão arterial, do colesterol LDL e aumento dos flavonóides… Vários estudos referendam isso - desde que a partir de um chocolate e cacau de melhor qualidade.
Precisamos prezar a qualidade antes da quantidade. Isso é ressignificar um modelo de consumo, pautado em consumo com mais prazer e mais desfrute.
Hoje tem varias marcas, de chocolate, inclusive, se apoiando no propósito sustentável como forma de aumentar a percepção de valor e como atributo de diferenciação de marca. Mas, não sendo mais um diferencial, existe uma tendência de comoditizar. O que você acha disso? Você concorda?
Estevan: Hoje, o que é comum é o discurso sustentável, mas a prática sustentável ainda é incomum. Tem muito “don’t walk the talk” em muitos mercados e categorias.
Agora é o momento de comunicar menos e fazer mais. Precisamos diminuir o hiato decorrente da cultura de positividade do marketing clássico.
Sem dúvida, essa comunicação sustentável frequente, inevitavelmente, gera descrença, desconfiança e até cansaço. Mas, diga-se de passagem, o que vai ficar é a prática.
O que eu sonho é que as práticas (responsáveis) sejam a condição de qualquer negócio.
Respeitar o planeta, ter sistema agroflorestal, valorizar orgânicos e produtores, são práticas que hoje são diferenciais do negócio, mas que esperamos um dia ser pontos de paridade para todos os negócios.
Quando isso acontecer, e não for mais diferencial, a marca (Dengo) vai caminhar e aí vai abraçar outros desafios e outros propósitos.
Ficaremos mais felizes no dia que soubermos que boa partes das escolhas e práticas socioambientais da Dengo são as práticas de todo e qualquer negócio no setor e fora dele.
Todos ganham: nós, como sociedade, a nossa saúde e a saúde do planeta.
Uma visão romântica? Talvez seja.
Queremos influenciar concorrentes pra fazer o mesmo.
A transição só vai beneficiar todos - não se só a nossa marca fizer, mas se a cadeia fizer junto, se o setor fizer junto. Seria miopia se acharmos que vamos fazer sozinhos. Precisamos que todos os negócios façam juntos.
O marketing da Dengo se envolve nas questões de responsabilidade corporativa? Algumas pessoas acreditam que o marketing deve apenas se preocupar com receita e clientes e não se preocupar com propósito e impacto. Como você vê isso?
Estevan: Não acredito que isso vai ser o futuro. Responsabilidade socioambiental deve caminhar para negócios de impacto socioambiental que tenham a intencionalidade da mudança em seu core business.
O que entendo é que marcas que não tiverem negócios com propósitos claros, ou compromissos públicos, terão sua longevidade comprometida.
Acredito que houve uma má interpretação das ferramentas que o marketing traz. Existe o bom ou mal uso de toda funcionalidade.
Marketing de causa pode e deve utilizar uma perspectiva positiva, mas não pode ser green/purposewashing.
Existe uma pergunta derradeira: se você só tem 1 real pra investir, o quanto você investe na causa e o quanto investe na comunicação da causa?
Negócios de impacto social com propósito não investem mais na comunicação do que na causa.
Coerência é uma das principais atribuições do novo marketing.
Vocês já são um negócio naturalmente consciente e de baixo impacto e com bons resultados. Qual o maior desafio de vocês hoje? Você sente uma pressão dupla, de resultados pra empresa e de impacto ambiental e social? Como lida com isso?
Estevan: Temos hoje 2 principais desafios:
1) A precificação. A categoria chocolate é sensível a preço e incorporamos externalidades no custo do produto (a questão do impacto).
No caso do chocolate barato, alguém tá pagando a conta. Se não é o cliente, é o planeta.
O produto substancialmente barato exige mudança de comportamento, e o baixo nível educacional é um elemento que joga contra neste processo. Não é consciente.
Nós brasileiros somos ainda muito incoerentes no consumo: falamos o que pensamos e consumimos o que sentimos.
2) Outro desafio igual ou mais importante é a comunicação de impacto socioambiental.
No nosso caso, fazemos parte de uma geração de negócios de impacto deste século, que usam de um modelo de comunicação construído no século passado. Os mecanismos de ativação da comunicação começam a demonstrar cansaço.
Precisamos de um modelo de comunicação que desperta as pessoas pro consumo consciente e responsável. Sem ser professoral, ecochata, sem ser ativista em excesso.
Temos um grande desafio que é destravar uma comunicação que engaja e mobiliza as pessoas.
Qual o conselho que você daria pra negócios que querem ao mesmo tempo priorizar o crescimento e o impacto, mas têm medo dos custos de tornar o negócio mais responsável?
Estevan: Meu conselho é: “best before cost” - faça algo que seja melhor antes de fazer algo que seja barato.
O segmento de bens de consumo hoje é muito pautado por uma lógica de consumo de que para vender muito tem que ser muito barato.
É claro que também não adianta ser caro e não incorporar sequer qualquer compromisso socioambiental.
Se puder fazer uma escolha, privilegie consumir algo que é bom e melhor, antes de consumir algo só pelo preço.
E por que Dengo? Como foi feito o naming da Dengo?
Estevan: Foi um processo.
Escolhemos “dengo” porque representa carinho, cuidado, afeto, amor.
Acreditamos que precisamos nos amar mais, nos respeitar mais, e é sobre afeto, sobre cuidado um do outro.
O mundo precisa disso. Quando olhamos o mundo hoje, vemos que a gente precisa ser mais humano, precisamos praticar um pouco mais disso: mais auto cuidado e cuidado uns com os outros.
Dengo é um gesto, gesto de gentileza, de lembrar e ser lembrado.
E Dengo é um nome brasileiro, com muito orgulho. Sem síndrome de inferioridade ou vira-lata. Não precisa ter nome gringo pra uma marca de chocolate dar certo. Orgulho e autenticidade.
2- A polêmica do propósito da semana
Primeiro uma pergunta: tem culpa o propósito estar sendo usado de forma tão indiscriminada?
Pra quem não viu, o atual CEO da Unilever declarou que nem todas as marcas do grupo terão propósito, e que devem focar em performance e receita.
Nos últimos 10 anos, o lance do propósito começou no indivíduo e extrapolou pro coletivo corporativo. Cresceu e virou default. Aí pra ficar bem na fita, toda marca começou a criar o seu.
Mas aí que tá o problema: a criação vazia de um propósito desconectado da raiz e das decisões da empresa realmente não faz sentido mesmo.
Propósito não é pra seguir uma tendência de comunicação, e achar que vai ajudar a vender mais. É um princípio empresarial que rege as tomadas de decisões da organização, de forma uníssona.
O propósito que faz mais sentido é aquele que é uma contrapartida, um benefício maior, por colocar um negócio no mundo. Como disse Estevan, na entrevista, o mundo não precisa de mais nenhuma marca.
O caso da Dengo que você viu aqui é o que eu considero o caminho ideal: um propósito que vem da criação da empresa, que tem sim impacto positivo, e que permeia todas as áreas do negócio, da concepção a todos os processos. Não é porque vai vender mais, mas é um compromisso básico pra existir.
Se não é criado a partir do negócio, se não guia a direção e as decisões, é melhor mesmo não ter.
3- Mundo afora - Global CMO Report 2023 da Dentsu Creative
O Global CMO Report 2023 da Dentsu Creative, "Creativity at a Crossroads” mostra o otimismo dos tomadores de decisão de marketing diante de tantas mudanças e desafios. Usando dados de uma pesquisa com 700 CMOs e profissionais de marketing sênior de 9 países, incluindo Brasil, o relatório identificou oito temas principais que mostram que, apesar de ser um setor em uma encruzilhada, ele é fortalecido pela criatividade e pela tecnologia.
O relatório tem 8 temas-chave e alguns insights me chamaram atenção:
Capital Cultural
As marcas precisam se adaptar às mudanças nas expectativas e valores do público em um mundo altamente conectado, envolvendo o público por meio de experiências, cultura e ação.
Mais humor
O humor está se tornando uma estratégia importante para envolver o público em um ambiente de publicidade chata, onde as pessoas tendem a ignorar mensagens promocionais.
Propósito, só se for real (de novo ele)
O propósito não deve ser apenas uma estratégia de imagem, com “purpose washing”, como temos visto por aí - mas deve ser integrado à estratégia de negócios, reconhecendo a conexão entre o que é bom para a sociedade e o que é bom para os negócios. Os profissionais entrevistados acreditam que a emoção é uma ferramenta poderosa para provocar mudanças comportamentais duradouras.
Acesse o relatório aqui.
4- Brasil Corre - o relatório do Brasil periférico da Consumoteca
Um relatório inédito sobre o perfil de comportamento e consumo periférico, para além dos recortes de renda e barreiras demográficas.
O estudo mostra as muitas camadas que envolvem a construção de identidade, cultura, comportamento e consumo na periferia.
“A periferia não é apenas uma localização geográfica distante do centro urbano, mas também uma construção social e cultural.” José Magnani, Antropólogo brasileiro.
Link pra baixar aqui.
5- A evolução do branding e as 4 ondas de pensamento - pra quem não viu
Tem muita discussão sobre branding e metodologias, mas nos tempos de hoje, o sincretismo de escolas e ondas é o caminho mais inteligente. Não é sobre uma estratégia ou outra, mas sobre somar pra trazer resultados mais inteligentes.
Falei sobre isso nesse post.
6- Sustentabilidade - A nova carne futurística é um fungo
Essa é a aposta da startup Typcal: não é proteína vegetal, é proteína do Reino Fungi, a micoproteína.
Será o futuro das carnes sustentáveis e sem exploração animal?
7- Sustentabilidade e um Respiro
Ontem terminou o TEDx Amazônia, evento sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia, mas você pode ver a transmissão das palestras nesse link aqui.
Respiro 2
Um video-banho-de-floresta pra desacelerar.
8- Vagas abertas pra consultoria gratuita
Estamos com 3 vagas gratuitas na Holo Brands pra testar e aplicar uma nova metodologia, a Brand Leap, de crescimento para negócios de inovação e impacto, unindo branding e growth.
Se interessou? Manda sua aplicação até dia 10 de novembro por esse link aqui.
Ficamos por aqui. Daqui a 2 semanas tem mais.
Me conta o que você achou dessa edição? Tamanho, formato, conteúdo - funcionaram pra você? Pode me responder por esse email.
Parabéns pelo excelente conteúdo. Quando cheguei em São Paulo, meus amigos me presentearam com uma caixa de Dengo e foi amor na primeira mordida. Ler sobre o processo e ver as fotos dos produtores deixa tudo mais gostoso. Amanhã temos um evento e vamos presentear os convidados. Adivinha com quê? Isso mesmo. Dengo personalizado. 😁