brands for future #9: Priscila Freitas - inovação, propósito e liderança
A Pri traz nessa edição de hoje seu olhar fascinante pra forma de ver inovação e o propósito de vida e carreira
Que bom te encontrar por aqui ;)
Como funciona a news brands for future?
Aqui você encontra entrevistas, insights e algumas referências úteis - relacionadas ao universo do marketing, branding e sustentabilidade.
Passado o Carnaval, famoso por estabelecer novos inícios de ano, e cá estamos de volta à nossa edição da brands for future ;)
E hoje temos uma pessoa muito especial: a Priscila Freitas, que hoje atua como Head de Inovação da Nestlé.
Conheci a Pri em um momento marcante de nossas vidas - estudamos e vivemos na Schumacher College, faculdade/comunidade inovadora de estudos ecológicos, sustentabilidade e espiritualidade, lá em 2016. Cada uma em uma jornada e área de estudos diferentes (mas nem tanto) em Pós e Mestrado (depois conto mais dessa parte da minha trajetória).
A Pri traz nessa edição de hoje seu olhar fascinante pra forma de ver inovação e o propósito de vida e carreira. Ela tem um próprio prisma, que a auto-inspira, além de instigar também quem tá em volta, e abrir um campo de percepção profundo e autêntico sobre o fazer com propósito.
Então vem cá conhecer e se inspirar também com a entrevista dela :)
Se você perdeu as outras edições, olha quem já esteve por aqui:
David Aaker, o pai do Branding; Estevan Sartoreli, CEO da Dengo; Renato Winnig, Head de Branding da Natura; Emily Ewell, fundadora e CEO da Pantys; Carla Purcino e a publicidade regenerativa, Paula Marchiori, Diretora de Estratégia da Tátil; Clayton Caetano, Head de Brand Design do Itaú e Vanessa Giangiacomo, Head de Marketing e Inovação da NotCo.
1- A entrevista com a Priscila
A Priscila Freitas é Head de Inovação na Nestlé. Com 18 anos de trajetória, exerceu posições de liderança em marcas como Omo na Unilever, Natura, e foi Diretora Global da marca LEGO na Dinamarca, onde contribuiu com a pauta de inclusão de gênero na indústria de brinquedos e liderou a estratégia por trás da concepção de um Metaverso seguro para as crianças, sendo parte do time que concebeu o LEGO Fortnite. Com formação em Comunicação Social, Psicologia Analítica e sendo Mestre em Design, atua na convergência entre o humano e o tecnológico com a missão de deixar o mundo um pouco melhor do que o que encontrou.
Qual sua missão agora como Head de Inovação da Nestlé?
Priscila: A minha missão aqui, chegando no time de inovação da Nestlé, é continuar apoiando a empresa no seu movimento de construção do futuro.
A gente fala em co-criar um sistema alimentar regenerativo para o futuro. Então, essa é uma missão que temos, desde antes da minha chegada, e que eu pessoalmente me sinto muito chamada a contribuir. Acho que é um momento de mundo que pede por isso. E essa inspiração acabou que me trouxe aqui.
E como aconteceu essa transição da sua carreira de marketing pra inovação, ou se, mais do que transição, você considera complementar?
Priscila: É bem complementar. Durante a minha carreira, eu ocupei várias posições de marketing, desde a época da Unilever, com bens de consumo, depois passei pela Natura, por consultorias, e passei pelo time global do grupo Lego.
Mas na verdade, eu acabei recebendo projetos ou desafios que saíam um pouco só do desenvolvimento do que já era o negócio principal, e que exigiam um olhar novo, tanto para produtos, serviços, expansão de marca, e também, eventualmente, questões que tocavam o campo da cultura, como o trabalho que eu fiz na Lego, por exemplo, com o tema dos estereótipos de gênero na indústria de brinquedos.
Um tema como esse, que eu tive oportunidade de trabalhar, passa antes de mais nada pela reflexão de qual é o papel de uma marca como essa num assunto social complexo desse tipo, e a partir disso, levar a organização a desenvolver novas formas de atuar e de se expressar para participar em uma sociedade em constante mudança.
Então, foi natural para mim pensar que apesar de eu ter feito uma carreira bastante sólida em marketing, a minha verdadeira essência traz esse elemento da inovação e do impacto na cultura. E agora, que estou em uma posição de liderança em inovação, muda um pouco o título de trabalho, mas penso que a missão continua a mesma, que é essa: como que a gente contribui com as organizações e, ao mesmo tempo, carrega um pouco da pergunta sobre o que é o futuro, sobre o que mais é possível. Eu sempre fui a pessoa que carregou essa pergunta do novo, e nisso tem algo que é verdadeiro e essencial na minha trajetória.
Como você tem conseguido unir carreira tradicional com propósito? É uma questão importante pra você?
Priscila: Nossa, Flora, essa pergunta é maravilhosa. Porque, na verdade, a busca da minha vida, desde que eu comecei a minha carreira, foi guiada pela questão do propósito. Eu acho que eu tive, logo no início, a oportunidade de trabalhar com comunicação, com marcas globais, e isso é um prato cheio para pensar sobre a dinâmica da sociedade e tudo mais.
Então, a pergunta de qual é o propósito do que fazemos enquanto profissionais, ou como eu posso exercer o meu propósito de vida através do meu trabalho, foi algo que me acompanhou mesmo. E aí eu fiz várias buscas e tive várias fases em interagir com essa pergunta, de como eu exerço esse propósito. Fases, inclusive, que me levaram a caminhos como, por exemplo, em dado momento, fazer uma pausa na carreira, ir buscar conhecimento. Foi o momento que eu fui estudar na Schumacher College, para tentar entender as dinâmicas de mundo e como elas aconteciam.
E até ali, eu achava que eu tinha que fazer, talvez, grandes transformações, grandes revoluções. Não é que eu ache que não seja isso, mas, com o passar do tempo, eu comecei a perceber um pouco mais que o trabalho real é interagir com o que está acontecendo. Eu até escrevi um artigo disso no meu LinkedIn, que eu chamei de "O dia em que eu parei de tentar mudar o mundo para ser parte dele”. E esse título veio de uma transformação bem profunda na minha forma de ver, sobre qual parte da mudança nós temos que ter poder de agência e qual parte da mudança, na verdade, já está acontecendo e a nossa capacidade é sobre percebê-la e decidir qual é a nossa participação criativa num processo que já acontece, que normalmente é muito maior do que nós, na complexidade de como o mundo se manifesta.
O que eu quero dizer com isso é algo objetivo: as coisas estão mudando o tempo todo como resultado de inúmeras interações entre as pessoas e os contextos. A gente pode fazer uma leitura cada vez melhor dessas interações, e então escolher a natureza da nossa participação.
Tem uma outra história que pra mim ilustra essa mudança de perspectiva muito bem. Eu conheci uma amiga e ela me contou a história de vida dela, que ela também foi fazer uma busca e aí ela foi fazer uma peregrinação, essa história é incrível. Ela chegou nessa peregrinação, em um lugar de montanhas e olhou para uma montanha e falou: "essa montanha está me chamando, eu vou lá". E ela foi, de fato, até lá e cruzou essa montanha. E do outro lado tinha um projeto que estava acontecendo e eles estavam precisando de alguém exatamente com o perfil profissional dela. Ela se mudou pra lá e trabalhou por anos nesse lugar, e quando ela me contou, disse que pensou nisso como se fosse uma espécie de “chamado da montanha”, metaforicamente falando.
E eu acho maravilhosa demais essa história e por vários anos eu ficava: "gente, qual é o meu chamado da montanha? Que hora que eu vou receber o chamado dessa montanha?" Achando que isso tem que estar no externo. Depois de um tempo, diante dessa reflexão que eu te contei da participação criativa, eu comecei a perceber que a gente é a montanha. E está muito mais nessa interação humana, hoje, para mim, o exercício do propósito do que até em qual é, de fato, o resultado do trabalho.
Acho que essas histórias influenciaram muitas das mudanças que eu fiz de carreira. Em vários momentos quando eu ia fazer mudança de carreira, de posição, eu fazia essa pergunta para mim mesma, qual é o chamado da montanha agora? O que ela quer que eu venha realizar? E ia seguindo um pouco essa missão. Nesse entendimento de que nosso compasso interno, quer dizer, como vamos escolher participar desse mundo, é o que a montanha é. Eu acho que propósito é uma coisa fundamental para qualquer profissional no momento de hoje. A resposta sobre o que é propósito também é aberta, é algo muito pessoal e íntimo. Mas, no fim das contas, em algum elemento, independente da variação de resposta que a gente tenha, ela toca o humano e ela toca essa camada dessas relações e de como a gente participa dessas relações. E hoje eu coloco muita da energia do meu trabalho dentro disso.
E agora sobre organizações: como você vê o tema polêmico do propósito nas empresas?
(Recentemente teve a repercussão do novo CEO da Unilever que disse que nem todos produtos teriam mais propósito.)
Priscila: Essa também é uma ótima pergunta. E eu já flertei com as diferentes vertentes: tanto com a turma que acredita que toda marca tem que ter, quanto com a turma que fala que o propósito de um sapato é ser um sapato. O que eu acho, e é muito pessoal: toda marca tem propósito.
A marca é um campo de sentido, uma construção da linguagem humana. E sendo isso, eu acho que fica uma discussão estranha, porque não tem como a marca ser um campo de sentido e não ter nenhum propósito. Algum propósito haverá. A pergunta que fica é se esse propósito é um propósito que serve também a sociedade, ou não. É um propósito que alimenta uma visão de futuro, ou não. E que visão de futuro é essa? E a partir de qual visão de mundo essa visão de futuro é criada?
Essas perguntas importam, e as respostas vão revelando até onde uma organização, ou uma pessoa, deseja ir na sua participação no mundo. É uma escolha estratégica que as empresas devem fazer, de até onde querem ir. Mas eu também acho que diante do contexto de mundo que a gente vive, existe um convite para a gente se questionar se podemos ir um pouco além na contribuição que nós fazemos com as marcas e negócios que criamos. A discussão também passa por, mesmo escolhendo exercer um propósito que vá ir além, que vá construir um futuro desejado, nem sempre isso é sobre se tornar uma campanha de comunicação, uma campanha de marca.
Decidir qual parte de um propósito que vai além deve virar campanha é uma discussão publicitária, e não de essência da questão. E talvez foi aí onde a coisa pode ter ficado complicada, porque em algum momento também houve uma confusão entre o que é exercer um propósito e o que é escolher uma temática de comunicação.
Eu tive a sorte de ter trabalhado ao longo da minha carreira em marcas que tinham a visão clara do seu propósito e trabalhavam para ampliar essa atuação. E o que eu posso contar sobre essa experiência é que quando elas assim decidem, elas se tornam realmente espaços de transformação até das pessoas que ali trabalham, até das pessoas que estão ali envolvidas.
Então quando uma marca decide, como por exemplo, a Lego, trabalhar o assunto da imaginação, vai tocar camadas como: o que significa a imaginação? Qual é o papel disso na vida das pessoas? Como que eu consigo que esse papel seja exercido de forma cada vez mais interessante e melhor? Então, no fim do dia, é um privilégio porque você acaba trabalhando você mesma a sua relação com a imaginação, por ter a sorte de fazer parte desse processo. Isso é uma camada às vezes menos falada, que é o quanto a marca com propósito também vira cultura dentro do contexto organizacional. E como essa cultura também transforma as pessoas que fazem parte dela, e assim transforma também a sociedade. Eu ainda acho que uma marca com propósito que transcende é uma escolha de estratégia, mas é algo que se for feito, que seja feito através de uma integridade, como uma prática, uma entrega, uma realidade do negócio, antes de ser comunicação, sabe?
Fala um pouco mais sobre esse projeto que você participou na Lego sobre a quebra dos estereótipos de gênero na indústria de brinquedos.
Priscila: A Lego fez um compromisso público no Dia Internacional da Menina em 2021, que foi fruto também desse trabalho, de atuar para remover estereótipos nocivos de gênero de todos os seus brinquedos, linhas de entretenimento e comunicação. Existe inclusive um livro muito bom chamado “Parenting Beyond Pink and Blue”, que analisa essa ideia bem difundida na sociedade de que eventualmente é mais comum para uma menina, por exemplo, as pessoas pensarem em dar uma boneca, e para os meninos, algo como um carrinho ou um videogame. E eu quero dizer que não é necessariamente um problema a menina ganhar a boneca. As pessoas às vezes estigmatizam que brincar com boneca pode ser algo ruim. Na verdade, não. Na verdade, quando a criança brinca, seja com o que for, ela está transportando para aquela brincadeira o mundo imaginário dela. E ela está processando ali uma série de insights que acontecem na vida dela. Ela está desenvolvendo uma série de habilidades. E brincar com a boneca também faz parte desse papel. O problema começa quando a menina só ganha boneca, e o menino só ganha carrinho.
Quando a gente faz uma divisão tão grande a partir dessa ideia social, que acaba ficando difícil para os meninos, por exemplo, terem acesso a uma boneca, e fica difícil para as meninas, por exemplo, terem acesso a outros tipos de brinquedo. Isso pode acabar limitando a brincadeira dessas crianças, e também pode afetar no desenvolvimento delas. Então, um trabalho com esse assunto, eu acho que tem a importância de ampliar o acesso das crianças às diferentes formas de expressão da criatividade, e pode acabar influenciando, de certa forma, toda a indústria.
Num nível mais pessoal, trabalhar com isso me deu uma oportunidade enorme de refletir até sobre a minha própria história de vida crescendo como uma menina latino-americana. Eu percebi que, no fim das contas, existe uma influência enorme dos brinquedos na forma como a nossa visão de mundo vai ser quando crescermos. Por exemplo, no meu caso, eu era uma menina que ganhava o Lego, ganhava jogos de xadrez. E, no fim, eu me tornei o quê? Uma estrategista de inovação. Quer dizer, teve muita influência. É esse tipo de aprofundamento em questões tão importantes e às vezes tão humanas que pode fazer o propósito de uma marca ir além, como a gente vinha falando. As marcas podem encontrar espaços que sejam autênticos ao produto que oferecem, para fazer a diferença.
E o que você recomenda pra quem quer trabalhar com inovação? Se a pessoa quer se desenvolver para trabalhar na posição, como é que ela faz?
Priscila: Eu costumo dizer que a inovação não é um objetivo em si mesmo, mas sim uma forma de pensar para ser acionada diante de problemas ou oportunidades que não podem ser respondidos com o conhecido. Serve para a vida e para as organizações. Então, como se desenvolver: ganhando repertório, aprendendo a fazer boas perguntas, e mantendo a mente curiosa para conhecer as ferramentas, que são várias, para ajudar organizações e times a ganhar repertório e fazer boas perguntas.
Embora existam muitas técnicas e modelos de inovação corporativa, de gestão de projetos, formulação de hipóteses e experimentos, e eu ache fundamental conhecer todas elas, eu ainda assim prefiro ficar com a simplicidade e profundidade do Ailton Krenak.
Tem uma fala dele em que ele diz de que o nosso papel é “suspender o céu”. O que isso significa? Pensa no céu visto da sua janela, a gente acha que ele vem até uma certa altura, mas na verdade ele está sempre um pouco mais alto do que a gente achava. Então o que eu entendo dessa fala dele é que o nosso papel é aumentar a percepção de quais possibilidades existem para lidar com uma determinada questão, e deixar as coisas tão claras que se torna simples para uma organização fazer escolhas estratégicas para seu próprio crescimento.
E aí, estou usando a palavra crescimento para além do crescimento econômico ou financeiro, e pensando em como essa organização pode exercer o máximo potencial do que ela pode ser para as pessoas que interagem com ela.
Então, eu acho que a inovação é uma mentalidade antes de ser uma prática, antes de ser um método e antes de ser uma área. Para trabalhar com inovação, é preciso conhecer de método, e ter uma dedicação constante em cultivar a mentalidade.
Qual a principal habilidade pra liderança?
Priscila: Sempre acreditei na liderança a partir do potencial. O Otto Scharmer escreveu em Teoria U sobre a liderança como uma postura de perceber qual futuro que quer emergir, e sustentar as condições para isso.
Na minha experiência, isso requer humildade, escuta ativa (incluindo uma escuta interna), presença e um olhar atento para o que eu chamo de “beleza não revelada”. Isso quer dizer trazer o potencial latente em cada organização e conexão. Como líderes, nosso maior trabalho é oferecer convites para “suspendermos o céu” juntos.
{aprendizados}
2- Apanhado de aprendizados da entrevista
1- O propósito pessoal associado à qual participação criativa queremos ter no que já tá se manifestando no mundo.
entender qual parte da mudança nós temos que ter poder de agência e qual parte da mudança, na verdade, já está acontecendo, e decidir qual é a nossa participação num processo que é muito maior do que nós, na complexidade de como o mundo se manifesta.
as mudanças estão ocorrendo o tempo todo a partir de inúmeras interações entre as pessoas e os contextos. Podemos ler melhor essas interações e então escolher a natureza da nossa participação.
2- O propósito nas organizações como um processo natural de construção de sentido das marcas
o que é necessário entender é se é um propósito que serve também a sociedade ou não, e a partir de qual visão de mundo a visão de futuro é criada
a importância de fazer essas perguntas, e entender que as respostas revelam até onde a organização deseja ir na sua participação no mundo.
porém, diante do contexto de mundo que a gente vive, existe um convite para a gente se questionar se podemos ir um pouco além na contribuição que nós fazemos com as marcas e negócios que criamos
3- Entender que decidir qual parte de um ‘propósito que vai além’ deve virar campanha é uma discussão publicitária, e não de essência do negócio.
possivelmente o problema e a polêmica do propósito nas organizações ocorre pela confusão entre o que é exercer um propósito e o que é escolher uma temática de comunicação.
4- Ver a inovação mais como uma mentalidade do que como uma prática
a metáfora, a partir do conceito do Ailton Krenak, de inovação como um papel de “suspender o céu”, ou seja, ir e sempre um pouco mais alto do que a gente achava que conseguiria.
o papel de líderes de inovação é aumentar a percepção de quais possibilidades existem para lidar com uma determinada questão, e deixar as coisas tão claras, que se torna simples para uma organização fazer escolhas estratégicas para seu próprio crescimento.
5- A liderança como uma oportunidade de trazer o potencial latente em cada organização e conexão
e uma postura de perceber qual futuro que quer emergir, e sustentar as condições para isso.
Ficamos por aqui.
Em 15 dias tem mais entrevista e outros conteúdos.
Até logo ;)
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